11.5.06

Tributo ao silêncio das cores

A noite vai a meio do seu corpo. Segue, em silêncio, o seu caminho. Resguarda-se em linhas de uma luz difusa, opaca, sinuosa. A noite é líquida, insubmissa. Água turva e livre bebida a goles de sono. Silhueta que afaga e come o tudo de todas as coisas.
Sôfrego, esse sono de mulheres e homens alheia-se deste véu aveludado do dia. É, a esta hora, a prova da sua condição ignorante. Porque se calam as vozes quando a calma é rainha e as palavras são murmúrios cristalinos? Porque te esquecem os homens, silêncio, para se dedicar a cansaços absurdos e a trejeitos diurnos de falsa felicidade?
Quem procura a noite verdadeiramente? O silêncio? Apenas o silêncio, total e puro, da sua boca?


Desejaria ter-te, assim, fiel e minha, a todas as horas. O dia mais não serve que para me lembrar do teu eterno e circular regresso, desse teu subtil e vigoroso poder de sombra, dos teus lábios sem contrastes, do teu escuro e lento respirar. Aquelas horas de sol de que não quero lembrar-me agora preenchem-me apenas da pena que é não te ter sempre comigo.
A noite é a casa do desejo. Mapa sem linhas que apaga todas as geografias: a dos corpos e a das almas. Mas – sono do dia – se foras permanente, que faria eu sem o sol?

Moscavide, 9/Agosto/98